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14.7.14

O T.

O T. fugiu de casa há mais de um mês e nunca mais foi visto. O T. tem dificuldades que os outros não têm, porque tem um problema desde que nasceu que lhe confere um atraso mental. Numa zona rural, há a hipótese de se alimentar do que a terra dá, mas desapareceu numa altura em que não havia tanta fartura como agora, em que a fruta, por exemplo, ainda estava verde. Não é a primeira vez que isto acontece, mas desta vez...já lá vai muito tempo. O T. é um homem na casa dos quarenta que andou comigo nos primeiros tempos da primária. Irritava-me porque sempre que me via começava a cantar: "o vento leva a flor, ó i ó ai só a mim ninguém me leva" e por aí adiante. O T. tinha sido criado pelos avós porque os pais tinham muitos filhos e não lhe podiam dar toda a atenção que precisava. E ele ajudava os avós. E fazia-lhes companhia. E ele gostava dos avós e os avós dele. Os avós morreram e ficou entregue a uma tia. Um dia foi também um bébé, com certeza amado, acarinhado e em quem projectaram sonhos. E enquanto criança e adulto aposto que só queria o que todos queremos: ser amado, ser feliz. Todos temem que tenha morrido. Eu também temo. Fica a reflexão: que raio de sociedade é esta que não sabe cuidar e proteger os mais fracos? Que raio de vida é esta que não nos permite olhar para as pessoas com a atenção que elas precisam?